Educação - Gestão Democrática e Proposta Pedagógica

Olhando para a história das civilizações, constata-se que enquanto a sobrevivência dos povos se assentava num modelo agrário, a educação era de pouca importância e quase inexistente. Com a Revolução Industrial, a idéia predominante passou a ser, sobretudo a partir do século XIX, que o futuro de um país dependia da educação do povo. O Estado passou, então, a interferir mais diretamente na educação. No caso brasileiro, o processo de industrialização se intensifica na década de 1930, refletindo em mais poder para os grupos urbanos, em especial para a burguesia industrial e comercial. Essa classe emergente passa a ter grande influência sobre o campo educacional.

Destaca-se neste período o movimento Escola Nova, que entre outras coisas defendia que o progresso da humanidade só era viável através da tecnologia e da indústria. E o sistema educacional brasileiro passou a desempenhar o papel de preparar os indivíduos para a nova realidade social, capacitando-os para produzir e consumir os produtos da sociedade urbano-industrial.

A classe dominante pensava a educação para os trabalhadores. Assim, um olhar sobre a estruturação da educação no Brasil, revela que, embora nem sempre pela legislação, coexistiram redes paralelas de ensino: a propedêutico-acadêmica para as elites e a técnico-profissionalizante para os trabalhadores. Os primeiros eram preparados para prosseguirem os seus estudos e tornarem-se os "pensadores" da sociedade, enquanto que os outros deviam ser capacitados para o mercado de trabalho.

Neste final de século o contraste entre a minoria privilegiada e a maioria necessitada tem se manifestado de maneira mais aviltante, excluindo e marginalizando 2/3 da humanidade. Diante deste fenômeno, como pensar a escola e a educação para que estejam voltadas para quem está diminuído em sua humanidade e cidadania? Como pensar processos educativos que possibilitem aos oprimidos e explorados "Serem Mais" (Paulo Freire)?

Tanto a questão da realidade sócio-econômica como a educacional precisam ser decodificadas pela problematização e conscientização. Ao saber-se onde se está e porque se chegou a esta situação, torna-se possível vislumbrar para onde ir, com quem e quais os instrumentos e/ou técnicas usar para alcançar os objetivos colocados. Todas estas questões formam um conjunto de elementos que, articulados entre si, configuram-se no Projeto Político-Pedagógico das escolas e das redes de ensino. VASCONCELLOS (1995:145) define:

O Projeto Educativo é o Plano Global da Instituição. Pode ser entendido como a sistematização, nunca definitiva, de um processo de Planejamento Participativo, que se aperfeiçoa e se concretiza na caminhada, que define claramente o tipo de ação educativa que se quer realizar. É um instrumento teórico-metodológico para a transformação da realidade. É um elemento de organização e integração da atividade prática da instituição neste processo de transformação. (...)

Tem, portanto, este valor de articulação da prática, de memória do significado da ação, de elemento de referência para a caminhada. O Projeto Educativo é também construção coletiva de conhecimento.

A Atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Nº 9394/96), no artigo 12, inciso I, oficializa que os estabelecimentos de ensino terão a incumbência de "elaborar e executar sua proposta pedagógica" .

O mesmo artigo, prossegue no inciso VI: "articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola". Já no que se refere à incumbência dos docentes, o Art. 13 estabelece: "I- participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II- elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; VI- colaborar com as atividades de articulação com as famílias e a comunidade" . Sobre a maneira dos estabelecimentos de ensino e dos docentes cumprirem estas responsabilidades, os artigos 14 e 15 assim legislam:

Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes; Art. 15.

Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financiera, observadas as normas gerais de direito financeiro público.

Num primeiro momento tudo parece ser claro e simples. Entretanto, três questões precisam ser atentamente analisadas: gestão democrática; autonomia; direito financeiro público.

A gestão democrática implica duas instâncias: a interna e a externa. Internamente trata-se de organizar de tal forma os espaços e atividades escolares que todos os segmentos tenham condições idênticas de dizer a sua palavra, questionar, discutir, analisar, opinar, decidir e participar da execução e avaliação do processo de construção da proposta pedagógica. Falando sobre um Projeto "bem feito", VASCONCELLOS(1995:152) esclarece:

O trabalho educativo, do qual a elaboração do Projeto faz parte, é essencialmente uma dialética de continuidade-ruptura, pois não introduzir o elemento novo, é permanecer no mesmo e, por outro lado, não caminhar junto, é avançar sozinho. Assim sendo, consideramos que mais importante do que ter um texto bem elaborado, é construirmos o envolvimento e o crescimento das pessoas, principalmente dos educadores, no processo de construção do projeto, através de uma participação efetiva naquilo que é essencial na instituição. Que o planejamento seja do grupo e não para o grupo. Como sabemos, o problema maior não está tanto em se fazer uma mudança, mas em sustentá-la.

Daí a essencialidade da participação!Uma proposta de mundança que vá se implantando gradualmente só ganha sustentação e legitimidade se for construída coletivamente, onde pais, alunos, professores e demais segmentos da escola e da comunidade externa tenham tido a oportunidade de manifestar-se, vendo que a proposta pedagógica da escola da sua localidade é resultado também das suas idéias, das suas sugestões, das suas escolhas. Assim todos sentir-se-ão comprometidos em trabalhar para a sua execução e sucesso.

Ressalta-se de modo especial a interlocução escola e comunidade local, que a maioria das vezes é colocada como o momento de maior dificuldade pelas direções das escolas. Entretanto, tão importante quanto a democratização interna é a externa; a escola não tem um fim em si mesma, mas está a serviço da humanização de seres humanos concretos, que assim se constituem social e politicamente dentro de uma realidade sócio-histórica que os condiciona.

Como instituição pública, a escola deve estar integrada na vida do povo. É-lhe intrínseco tornar-se instrumento de reflexão e ação da população, a partir das buscas, anseios e conflitos que marcam a caminhada e a vida das práticas sociais em que homens e mulheres vão se humanizando. A construção do projeto político-pedagógico deve ser o resultado de reflexões análises, debates, decisões e encaminhamentos coletivos e consensuais. Interagindo com os principais construtores do processo cultural da sociedade - os trabalhadores - uma escola autêntica deixa, de certa maneira, de ser livre para fazer e ensinar o que quiser e como quiser. Sentir-se-á convocada a enraizar seu fazer educativo no saber popular, refletindo, criticando, explicitando, reelaborando ou sistemantizando com o povo.

Ao sair de si mesma e fazer-se presente na interação com as demais instituições, organizações e movimentos sociais, a escola não só estará educando aos seus alunos, mas a si mesma e à comunidade como um todo; desencadear-se-á um processo de esclarecimento e organização sobre o processo histórico-cultural, os interesses e valores que condicionam limites e possibilidades no mundo da vida, descortinando horizontes que possibilitarão a estruturação de uma sociedade em que todos sejam sujeitos da sociedade e do seu processo sócio-histórico-cultural. O povo sentir-se-á participando da educação desenvolvida na escola e, o que é muito importante, sentirá a escola participando ativamente da sua história, da sua luta, da sua vida. Em contrapartida, sentir-se-á responsável por esta escola.

Mas... tudo isto não coloca em risco a autonomia da instituição? Não, pois a escola não tem um fim em si mesma, assim como nada do que nela se faz ou ensina. Ela está a serviço de uma sociedade concreta, onde homens e mulheres se humanizam histórica, social, política, econômica e culturalmente. Autonomia não significa fechamento, isolamento, retraimento ou autosuficiência; é da natureza da educação sistemática a sua vinculação com o processo histórico-social vivido pelo povo que a solicita e/ou recebe. Neste sentido, autonomia implica ter sensibilidade para ler o mundo da vida que está ao seu entorno, escutar as pessoas que o constroem e, com estes - que são o construtores da história, da cultura e da sociedade -, delinear perspectivas, projetos e propostas que venham responder oficial, científica e alternativamente às necessidades, sonhos, conflitos e desafios da concretude espácio-temporal. Assim educar-se-á com um saber que parte da e retorna à totalidade das atividades humanas que constituem a tecitura do processo histórico-cultural.

A terceira questão diz respeito ao direito financeiro público. Ou seja, a comunidade, o bairro e a própria escola estão inseridos numa sociedade maior que se configura como nação. No caso brasileiro, como em todas as sociedades industriais, a vida do povo sofre a influência direta do Estado, que através de um conjunto de instituições organiza e controla a vida dos indivíduos através de leis que regem a vida privada e pública. Portanto, este Estado representa o poder máximo, resultante da correlação de forças entre os diferentes grupos e classes na hora de decidir pelo voto; o Estado lutará para que os interesses de quem está no poder sejam garantidos.

A atual LDB apregoa a gestão democrática e a autonomia, assim como também a valorização das diferentes culturas. Entretanto, as condições para tanto ainda precisam ser conquistadas. Os docentes recebem salários que os obrigam a uma carga horária de até 60 horas semanais, o que dificulta a organização de espaços de debate, diálogo, estudo e refelexão enquanto membros de uma mesma escola, e muito menos a sua participação nas demais instâncias das práticas sociais que circunscrevem a sua escola. Ademais, as escolas dependem de recursos públicos administrados pelo Estado, cujas políticas servem-se de avaliações , PCNs e Conteúdos Curriculares (todos apenas "sugestivos") para moldar a prática escolar segundo os interesses do sistema socio-político-econômico vigente.

Eis, pois, algumas questões a serem consideradas enquanto educadores(as) autênticos(as), que só se constituem enquanto tais na medida em que souberem quem são, o que fazem e para que(e a quem) servem, para decidir o que querem e o que podem. Não obstante, a nossa realidade é de uma sociedade capitalista, onde os interesses de classes são antagônicos. Com o que faz ou deixa de fazer, o modo como o faz, a escola contribue com a afirmação ou negação de interesses e valores. Daí a necessidade de fazer uma opção política, deixando claro a serviço de que tipo de homem e que tipo de sociedade ela se coloca. Isto só é possível quando o processo de construção da proposta pedagógica for se dando de forma aberta, dinâmica, com dialogicidade interna e externa, tendo a perspicácia (ou astúcia) de exercer a autonomia sem contudo deixar de instrumentalizar a escola e a comunidade para que disputem em pé de igualdade com as classes dominantes na defesa de suas reivindicações e direitos como humanos e como cidadãos brasileiros.

Nas palavras de SAVIANI (1985: 59-60): ...o dominado não se liberta se ele não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam. Então, dominar o que os dominantes dominam é condição de libertação. Nesse sentido, eu posso ser profundamente político na minha ação pedagógica, mesmo sem falar de política. (...) Não adianta nada eu ficar sempre repetindo o refrão de que a sociedade é dividida em duas classes fundamentais, burgueses e proletariado, que a burguesia explora o proletariado e que quem é proletário está sendo explorado, se o que está sendo explorado não assimila os instrumentos através dos quais ele possa se organizar para se libertar dessa exploração.

Referências Bibliogáficas

· BRASIL. Lei nº 9.394/96. [online] Disponível na Internet via HTTP. URI: http://www.ufsm.br/adeonline

· SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. Teorias da educação. Curvatura da vara. Onze teses sobre educação e política. 8ª ed. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1985.

· VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Planejamento: Plano de Ensino-aprendizagem e Projeto Educativo. São Paulo: Libertad, 1995.

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